A liturgia desta Quarta-feira da Semana Santa nos oferece uma profunda e comovente meditação sobre a traição, a fragilidade humana e a misericórdia divina. O Evangelho de Mateus (Mt 26,14-25) nos apresenta um dos momentos mais dolorosos do caminho de Cristo para a cruz: a traição de Judas Iscariotes. No entanto, o texto não nos convida apenas a olhar para Judas como uma figura distante, mas sim como um espelho onde podemos enxergar nossas próprias quedas e infidelidades.

A traição que começa pequena
A figura de Judas é um alerta poderoso. Ele caminhava com Jesus, ouvia Suas palavras, presenciava os milagres, participava da partilha do pão. Mesmo assim, aos poucos foi se afastando. O Evangelho não diz que Judas caiu de uma só vez, mas deixa pistas de que sua traição foi construída aos poucos.
No Evangelho de João (Jo 12,6), lemos que Judas era o responsável pela bolsa comum e roubava o que nela era depositado. Pequenos furtos, pequenas desonestidades, pequenas mentiras. Foi assim que começou o seu afastamento do coração de Cristo. Isso nos ensina que nenhum grande pecado começa grande. As grandes quedas têm origem em pequenas concessões, em pecados veniais repetidos, tolerados, não confessados.
Aos poucos, Judas deixou de amar Jesus, deixou de confiar, e passou a ver tudo com olhos humanos. O que antes era missão, tornou-se rotina. O que era entrega, virou interesse. O que era comunhão, transformou-se em frieza. Até o momento em que, por trinta moedas de prata, entregou o Mestre.
O coração dividido de Judas

A Escritura nos mostra que, mesmo participando da ceia, Judas já havia negociado com os sumos sacerdotes. Ele estava fisicamente presente, mas espiritualmente ausente. Quantas vezes isso acontece conosco? Estamos na Igreja, rezamos, comungamos, mas o nosso coração está longe. Estamos distraídos, divididos, contaminados por ambições, mágoas, egoísmo.
A traição de Judas é o ápice de um coração que se afastou do amor. Quando Jesus lhe oferece o pão molhado, o sinal de amizade, Judas não se comove. Ele permanece frio, calculista, endurecido. E o texto é claro: “Depois do pedaço de pão, Satanás entrou em Judas” (Jo 13,27). Onde não há espaço para o arrependimento, há espaço para o inimigo.
A linguagem da profecia e a resistência do Servo
A Primeira Leitura (Is 50,4-9a) apresenta a figura do Servo Sofredor, que não se esconde diante do sofrimento, mas o assume com dignidade. Ele oferece as costas para os que batem, o rosto para os que cospem, mas não se deixa abater. Essa profecia se realiza plenamente em Cristo, que enfrenta a cruz com coragem e confiança no Pai.
Jesus não revida o mal com o mal. Ele permanece firme, com o rosto sereno, porque sabe que o Pai é seu Auxiliador. Essa é uma grande lição para nós: não fugir da dor, mas assumi-la como caminho de purificação e salvação. E, sobretudo, não responder ao pecado com mais pecado, mas com fé e perseverança.
O chamado à vigilância do coração
A traição de Judas nos convida a uma vigilância constante. Não basta estar próximo de Jesus fisicamente, é preciso estar unido a Ele espiritualmente. É necessário cultivar a oração, a confissão frequente, a meditação da Palavra, a caridade concreta.
Quantas vezes, com nossas atitudes, também vendemos Jesus? Trocamos a fidelidade por prazeres passageiros, por vaidades, por dinheiro, por egoísmo. Quantas vezes somos Judas nos nossos relacionamentos, nas nossas escolhas, na forma como tratamos os outros e a nós mesmos?
Mas o Evangelho também mostra que, mesmo diante da traição, Jesus não perde a ternura. Ele chama Judas de “amigo” (Mt 26,50) quando este o beija no Getsêmani. Essa é a grandeza do amor de Deus: mesmo quando O traímos, Ele nos oferece o perdão.
O remédio da confissão
Para não cairmos na espiral da traição, a Igreja nos oferece o sacramento da confissão. Confessar-se com frequência não é sinal de fraqueza, mas de vigilância. É reconhecer que somos pecadores e que precisamos da misericórdia de Deus.
Judas não confiou na misericórdia. Ele se arrependeu, mas não buscou o perdão. Diferente de Pedro, que negou Jesus, mas depois chorou amargamente e acolheu o olhar de perdão do Senhor. Pedro caiu, mas levantou. Judas caiu e se desesperou.
A diferença entre a condenação e a salvação está na nossa resposta ao pecado. Deus sempre nos oferece o perdão, mas precisamos aceitá-lo. E a confissão é o caminho privilegiado para isso.
Um tempo favorável para a conversão
O Salmo de hoje (Sl 68) nos convida a confiar no Senhor em tempos de tribulação. Ele escuta o clamor dos pobres, atende os humildes, não despreza os que se voltam a Ele com um coração sincero. Estamos vivendo a Semana Santa, o tempo mais sagrado do ano. Este é um tempo favorável para a conversão, para uma mudança de vida.
Não deixemos que as pequenas traições se tornem grandes quedas. Vigiemos nosso coração. Busquemos a graça, a oração e o arrependimento. Peçamos ao Senhor que nos dê a graça de sermos fiéis, mesmo nas pequenas coisas. Que Ele encontre em nós corações dispostos a amar e a perseverar.
Conclusão
A história de Judas não precisa ser a nossa. Ainda há tempo para recomeçar. Ainda há lugar à mesa. Ainda há oportunidade de lavar os pés uns dos outros, de confessar nossos pecados, de voltar ao Senhor. Que esta Semana Santa nos leve a um encontro profundo com o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.
Que possamos dizer, com sinceridade: “Senhor, eu não quero ser outro Judas. Quero ser Teu discípulo fiel. Ajuda-me a caminhar contigo até a cruz, e além dela, até a ressurreição.”