A fé que se perde na murmuração e a misericórdia que restaura a alma
“Não endureçais o vosso coração como em Meriba, como no dia de Massa no deserto.” (Sl 94)
A liturgia de hoje lança um espelho diante de nós: quantas vezes murmuramos contra Deus? Quantas vezes, diante das dificuldades, preferimos reclamar, duvidar, testar o Senhor, ao invés de confiar, esperar e perseverar?
A murmuração é o fruto amargo de uma fé enfraquecida. Ela surge quando deixamos de olhar para Deus como Pai providente e passamos a enxergá-Lo como alguém distante ou indiferente. Mas mesmo quando caímos nessa fraqueza, a misericórdia de Deus permanece fiel e nos convida de volta.
1. O pecado da murmuração: raiz da desconfiança

O povo de Israel, recém-liberto do Egito, começou a reclamar no deserto por causa da sede e das provações. Eles haviam visto o mar se abrir, haviam recebido o maná do céu, mas bastou uma dificuldade para se esquecerem do Deus que os libertara.
“Por que nos fizeste sair do Egito? Foi para nos matar de sede no deserto?” (cf. Ex 17)
É exatamente isso que também acontece conosco: diante do sofrimento, esquecemos os milagres que já vivemos. Passamos a murmurar, acusar, colocar Deus à prova, como se Ele fosse obrigado a agir segundo nossa medida.
Mas Deus não se afasta por isso. Ele se entristece, sim — mas continua fiel, como um Pai que compreende as fraquezas dos filhos e age para restaurá-los.
2. Jesus, a Rocha que jorra misericórdia
No Evangelho, vemos os fariseus testando Jesus, insistindo em sinais, questionando sua origem, sua autoridade, sua missão. Ainda que vissem milagres, não se abriam à fé.
Eles representam a religiosidade endurecida — aquela que cumpre ritos, conhece a lei, mas não reconhece a presença viva e transformadora de Deus.
Jesus, no entanto, é a nova Rocha de onde brota água viva. Mesmo diante da incredulidade, Ele continua oferecendo misericórdia, cura, salvação.
“Quem tem sede, venha a mim e beba.” (Jo 7,37)
3. O perigo de endurecer o coração
A murmuração não é apenas reclamação. É uma semente de incredulidade. Quando se repete, ela endurece o coração, torna-nos insensíveis à ação de Deus, nos fecha à esperança e à oração.
Um coração murmurador:
- não reconhece o bem que recebe;
- exige sinais imediatos;
- perde a gratidão;
- afasta-se da Palavra;
- e enfraquece na vida espiritual.
Por isso, a liturgia é também um alerta: “Não endureçais o vosso coração.”
4. A misericórdia de Deus sempre nos alcança
Apesar de tudo, Deus não desiste de nós. Seu amor é sempre maior que nossa desconfiança. Sua misericórdia é uma fonte inesgotável que nos restaura mesmo quando nos afastamos.

O Senhor não responde com castigo, mas com compaixão. Ele não exige perfeição, mas um coração arrependido e disposto a confiar novamente.
Por isso, hoje é um dia para recomeçar. Para calar a murmuração interior e abrir os lábios em oração. Para trocar a dúvida pela fé. Para dizer:
“Senhor, eu creio. Aumenta a minha fé.”
5. Caminhar na fé: o desafio de confiar
Confiar não é ignorar a dor. Não é viver em negação. É escolher, mesmo no deserto, olhar para o céu e crer que Deus está presente.
É aprender a esperar quando tudo manda correr. É manter-se fiel quando tudo convida a abandonar. É crer que a providência virá — mesmo que ainda não se veja.
Confiar é saber que a misericórdia de Deus não falha. Ela é nova a cada manhã. Ela nos busca, nos levanta e nos envia de volta ao caminho da vida.
Conclusão: Calar a murmuração e viver a confiança
A liturgia de hoje nos convida a um exame profundo:
- Tenho confiado em Deus ou me deixado levar pela murmuração?
- Tenho provado minha fé com atitudes ou apenas exigido respostas?
- Tenho caminhado como filho ou como fariseu?
Cristo é a Rocha. A água viva ainda jorra. A misericórdia continua disponível. Que hoje você possa beber dessa fonte, renunciar à murmuração e caminhar com fé renovada.
“Quem crê em Mim, do seu interior jorrarão rios de água viva.” (Jo 7,38)