Na liturgia de hoje, a Palavra de Deus se apresenta como convite e alerta: é necessário aprender a escutar verdadeiramente a voz do Senhor, reconhecendo-a em meio a tantas vozes que disputam nossa atenção. O Evangelho de João (10,1-10) traz a belíssima imagem do Bom Pastor, que conhece suas ovelhas e é conhecido por elas. Esta relação profunda, pessoal e de confiança mútua entre Jesus e os seus nos ensina o que significa viver a fé cristã com autenticidade.
Escutar com o coração: a verdadeira escuta cristã
No mundo contemporâneo, onde somos bombardeados por informações, opiniões e ruídos, a escuta se torna uma virtude rara. Mas o Senhor nos chama a uma escuta diferente: escutar com o coração, com docilidade e abertura. O salmo responsorial nos inspira: “Minha alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo.” Este desejo profundo é o que move a alma à oração, à meditação da Palavra, e à busca dos ensinamentos da Igreja.

Santa Teresa d’Ávila dizia: “A oração é, para mim, um impulso do coração, um simples olhar lançado ao céu, um grito de reconhecimento e de amor no meio da provação como no meio da alegria.” Essa escuta orante da Palavra forma o solo fértil onde Deus planta Suas inspirações.
A conversão do coração e o reconhecimento da voz de Cristo
Na Primeira Leitura (At 11,1-18), vemos São Pedro narrando sua visão e o chamado de Deus para evangelizar os pagãos. A resistência dos fiéis de origem judaica demonstra uma dificuldade que também nos aflige hoje: a tendência de limitar a ação de Deus ao que é conhecido e seguro. Contudo, Deus surpreende e nos chama a sair das nossas zonas de conforto. Pedro conclui: “Quem seria eu para me opor à ação de Deus?”
Escutar a voz de Cristo implica uma constante conversão. É preciso estar disposto a deixar que o Espírito Santo nos conduza. Santo Agostinho nos adverte: “Teme a passagem de Deus, pois Ele pode passar e tu não O perceberás.” A vigilância espiritual e a familiaridade com os sacramentos nos tornam mais sensíveis à Sua voz.
Aspectos práticos: Como escutar a voz de Deus hoje?
- Leitura orante da Bíblia (Lectio Divina): Separe um momento do dia para ler e meditar a Palavra de Deus. Pergunte-se: o que o Senhor quer me dizer hoje?
- Silêncio interior: Reserve tempo para o silêncio. Desligue o celular, feche as redes sociais, e permita-se apenas estar na presença de Deus.
- Aconselhamento espiritual: Ouvir um diretor espiritual ou sacerdote pode ajudar a discernir entre a voz de Deus e os próprios desejos.
- Obediência à Igreja: Os ensinamentos do Magistério são bússolas seguras que nos mantêm no caminho da verdade. Santo Inácio de Loyola ensinava: “Pensar com a Igreja” é sinal de maturidade na fé.
- Sacramentos: Em especial a Eucaristia e a Confissão, nos purificam e fortalecem os sentidos espirituais para que possamos reconhecer Jesus que fala ao nosso coração.
O Bom Pastor nos conduz à Vida

Jesus afirma: “Eu sou a porta. Quem entrar por mim será salvo”. Essa é uma das promessas mais poderosas do Evangelho. Cristo é o único caminho que leva à plenitude da vida. Mas para passar por essa porta, é necessário confiar, obedecer e segui-Lo, como ovelhas que conhecem a voz do Pastor.
Seguir Cristo implica dizer “não” a outras vozes — as da cultura do descarte, da autossuficiência, da indiferença. A voz do mundo muitas vezes promete liberdade, mas entrega escravidão. Jesus, ao contrário, nos dá uma liberdade que nasce do amor e nos conduz à vida verdadeira. Como ensinava São João Paulo II: “A liberdade não é fazer o que se quer, mas escolher o bem.”
Conclusão: Um coração treinado para ouvir
Treinar os ouvidos da alma para ouvir a voz de Cristo é uma tarefa diária. Assim como um músico precisa de repetição e disciplina para reconhecer notas e tons, nós, discípulos de Jesus, precisamos da prática da escuta espiritual para distinguir a Sua voz em meio ao barulho do mundo.
Que esta liturgia nos desperte o desejo de intimidade com Deus, nos mova à oração, à escuta e à comunhão com a Igreja. Que possamos, como diz o Salmo, correr aos altares do Senhor com alegria, certos de que Ele nos conduz com ternura para pastagens de vida eterna.