“Do coração atribulado está perto o Senhor.” (Sl 33)
A liturgia de hoje nos envolve com uma mensagem poderosa e ao mesmo tempo misteriosa: Cristo está próximo dos que sofrem. Ele caminha com os atribulados, mesmo quando parece oculto; Ele se revela em meio à luta, mesmo quando o mundo o rejeita ou tenta silenciá-lo.

Vivemos em um tempo marcado por angústias, tensões sociais, crises emocionais e incertezas. Em meio a isso, a Palavra de Deus nos oferece uma direção segura: esperar no Senhor e reconhecer a Sua presença, mesmo quando Ele parece escondido.
1. O Justo Incomoda: A Profecia da Sabedoria
A Primeira Leitura, retirada do Livro da Sabedoria (Sb 2,1a.12-22), parece descrever com exatidão o cenário que Jesus enfrentou — e que continua se repetindo em todo aquele que busca viver com integridade.
“Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda…”
O justo incomoda porque sua vida é um reflexo de Deus. Ele denuncia, sem palavras, o erro. Sua coerência se torna insuportável para os que vivem nas trevas. Os ímpios não suportam o brilho da luz — não porque ela os ataque, mas porque os desinstala.
Esse texto nos mostra que o caminho da santidade sempre será atravessado por provações e rejeições. A vida pura, a verdade vivida, o amor sem máscaras provocam reações hostis no mundo ferido pela vaidade, pela mentira e pela indiferença.
Assim aconteceu com Cristo. Assim acontece com todos os que desejam viver em conformidade com a verdade.
2. “Ainda não era a sua hora”: o mistério da hora de Deus
No Evangelho (Jo 7,1-2.10.25-30), vemos Jesus caminhando com prudência. Ele evita a Judeia, onde querem matá-lo, e vai para a festa “às escondidas”, como quem conhece o tempo certo de todas as coisas.
“Então, queriam prendê-lo, mas ninguém pôs a mão nele, porque ainda não tinha chegado a sua hora.”
Essa expressão — “a sua hora” — aparece repetidamente no Evangelho de João. Ela não é apenas uma referência cronológica. Representa o momento em que se cumprirá plenamente a missão de Cristo: sua paixão, morte e ressurreição.
Jesus caminha sob o ritmo da vontade do Pai. Ele não se antecipa, não se atrasa. Ele vive em obediência perfeita. E, assim, ensina-nos que mesmo nas tribulações, há um tempo divino se cumprindo. O silêncio de Deus, muitas vezes, é o anúncio de uma manifestação mais profunda.
3. O Cristo oculto que nos visita

Cristo que vem “às escondidas” e se revela como aquele que dá descanso.
Em meio às nossas batalhas diárias, Ele pode parecer ausente. A oração parece secar. A fé esmorece. As respostas não chegam. Mas justamente nesses momentos, Ele está ali — presente, discreto, sustentando, conduzindo.
Quantas vezes, só percebemos depois que Ele esteve conosco! Como os discípulos de Emaús, que só reconheceram Jesus quando Ele partiu o pão. Ele caminhava ao lado deles, falava com eles, e eles não sabiam…
O Cristo escondido é o Cristo que nos convida à fé madura: aquela que vê com os olhos do coração, que confia antes de compreender, que espera mesmo sem entender.
4. Perseguir o justo é perseguir a esperança
Aqueles que rejeitam Jesus o fazem porque não suportam o chamado à conversão que Ele representa. Sua presença obriga uma escolha. Ele não permite neutralidade. Ou O acolhemos, ou O rejeitamos.
No mundo atual, os cristãos fiéis — assim como o Justo do Livro da Sabedoria — também incomodam. Não porque são violentos ou impositivos, mas porque sua coerência denuncia a mediocridade espiritual, a falsidade moral, o vazio existencial.
Por isso, precisamos perseverar com humildade e firmeza. O servo não é maior que o seu Senhor. Se Cristo foi rejeitado, também o serão os que O seguem.
5. O coração atribulado e a promessa da presença
O Salmo 33 é o consolo que envolve todo esse cenário: “Do coração atribulado está perto o Senhor… Muitos males se abatem sobre os justos, mas o Senhor de todos eles os liberta.”
Não estamos sozinhos.
- Quando somos injustiçados por viver a verdade, Cristo está perto.
- Quando nos sentimos esmagados por dentro, Ele nos sustenta.
- Quando não conseguimos ver saída, Ele já está agindo.
- Quando somos perseguidos por sermos luz, Ele nos defende.
Ele é o Justo por excelência. Quando nos unimos a Ele, passamos a fazer parte de sua missão — e também de sua cruz. Mas onde há cruz com Cristo, há ressurreição.
Conclusão: Reconhecer Jesus, mesmo quando Ele vem às escondidas
A liturgia de hoje nos ensina que Cristo nunca abandona os que sofrem por amor à verdade. Ele está conosco, mesmo que silencioso. Age, mesmo que oculto. Salva, mesmo quando parece tardar.
Que tenhamos olhos espirituais para reconhecê-lo, paciência para esperá-lo e coragem para segui-lo — mesmo quando o mundo tenta nos calar, desacreditar ou desanimar.
Como o Justo do Livro da Sabedoria, que saibamos manter a serenidade e a paciência.
Como Cristo no Evangelho, que vivamos no compasso do Pai.
Como os salmistas, que não desistamos de clamar e esperar.
Porque Ele vem. E quando Ele vem, tudo se transforma.