a terça-feira da Semana Santa, a liturgia nos conduz a uma profunda contemplação sobre a entrega total de Jesus, a fragilidade humana e o chamado à vigilância espiritual. As leituras de hoje, especialmente o Evangelho de João (Jo 13,21-33.36-38), revelam a dramática tensão entre a traição de Judas, a negação de Pedro e a serenidade de Cristo diante do sofrimento iminente. Este é um convite a olharmos para dentro de nós mesmos e questionarmos a profundidade da nossa amizade com Jesus.
A voz que anuncia a justiça de Deus
“Minha boca anunciará vossa justiça.” É com essas palavras do Salmo responsorial que iniciamos a meditação. Mas qual é a justiça de Deus? É a entrega generosa do Seu Filho pela salvação da humanidade. A verdadeira justiça divina é redentora, é misericordiosa, é um amor que não desiste de nós. O Servo Sofredor de Isaías (Is 49,1-6) nos mostra que a missão de Deus não é apenas restaurar Israel, mas ser luz para todas as nações. Esse é o destino de todos os que acolhem essa luz: anunciar a justiça com a própria vida.
Anunciar a justiça de Deus é, portanto, reconhecer que nossa vida pertence a Ele. É entregar nossos planos, dores e esperanças à providência divina, confiando que Ele tudo conduz.

A intimidade que transforma o coração
O Evangelho de hoje revela um momento de extrema intimidade e também de grande tensão. Jesus está à mesa com os seus apóstolos, partilhando a última ceia. É nesse contexto que Ele anuncia a traição de um dos seus. A cena é simbólica e comovente: João recostado sobre o peito do Mestre, Pedro confuso, Judas se retirando no escuro.
Essa mesa de amizade é também o lugar de grande revelador das intenções do coração. Judas estava lá, ao lado de Jesus, mas seu coração já estava longe. Isso nos alerta para uma realidade espiritual: é possível estar fisicamente perto de Jesus, frequentar a Igreja, conhecer a Palavra e ainda assim ter um coração endurecido, fechado ao amor.
Um coração como o de Maria, Marta e Lázaro
Somos convidados nesta Semana Santa a fazer do nosso coração uma casa de amizade para Jesus, como a casa de Marta, Maria e Lázaro. A intimidade com Cristo é cultivada no silêncio, na escuta atenta de Sua Palavra, no serviço amoroso e na adoração.
Maria nos ensina a oferecer o melhor de si ao derramar perfume nos pés de Jesus (Jo 12,3). Esse gesto simboliza a entrega total, o reconhecimento da divindade de Jesus e a gratidão profunda por Seu amor. Cada um de nós pode fazer esse gesto espiritualmente, derramando o melhor de nós mesmos aos pés do Senhor: nosso tempo, nossos dons, nossas dores e nossas alegrias.
A liberdade que respeita a escolha
Mesmo sabendo que Judas o trairia, Jesus não o exclui da ceia. Ele o ordena sacerdote, o alimenta com o pão, e lhe fala com amor. Essa é a grande luta de Deus: Ele deseja salvar a todos, mas respeita a liberdade de cada um. Judas poderia ter se arrependido, poderia ter acolhido a misericórdia, mas escolheu caminhar para longe da luz.

A história de Judas nos convida a refletir sobre nossas escolhas diárias. Estamos acolhendo ou rejeitando Jesus? Estamos dando ouvidos à Sua voz ou preferindo as tentações do mundo?
A fragilidade humana e a esperança na redenção
Pedro, movido pelo amor sincero, promete dar a vida por Jesus. Mas Jesus, conhecendo a fragilidade humana, o alerta: “Antes que o galo cante, me negarás três vezes”. Pedro falha, mas diferente de Judas, se arrepende. Isso nos mostra que cair não é o fim da caminhada, mas que é necessário levantar, chorar os erros e recomeçar.
Jesus não exige perfeição, mas um coração sincero e disposto a recomeçar. A negação de Pedro torna-se um marco de redenção, porque ele permitiu que o olhar de Jesus o alcançasse e o transformasse.
A Semana Maior exige atitude
Estamos na Semana Maior, e somos chamados a acolher a salvação com atitude, com decisão. Não basta sermos ouvintes da Palavra, é preciso viver o Evangelho com inteireza. É tempo de nos despirmos das capas de hipocrisia, de comodismo, de medo, e abraçar a Cruz com coragem e confiança.
Cristo está lutando por nossa salvação, mas deseja que também lutemos ao Seu lado. Ele quer nos encontrar vigilantes, atentos, generosos, com o coração livre e aberto.
Que esta Semana Santa seja para todos nós um tempo de renovação interior, de entrega verdadeira e de conversão sincera. Que possamos, ao fim desta caminhada, proclamar com a vida: “Minha boca anunciará vossa justiça”.