“Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, possui a vida eterna.” (Jo 5,24)
A liturgia desta quarta-feira da 4ª semana da Quaresma é um convite vigoroso à fidelidade radical à verdade do Evangelho e à vivência profunda da identidade católica, sem máscaras, sem superficialidades, sem subjetivismos perigosos. Em tempos em que a fé corre o risco de ser moldada à medida das emoções ou do pensamento dominante, a Palavra de Deus nos recorda: seguir Cristo é acolher a verdade que salva — e também a que julga.

1. “Eu não me esquecerei de ti” – A fidelidade inabalável de Deus
Na Primeira Leitura (Is 49,8-15), o Senhor reafirma seu compromisso eterno com o povo: “Pode a mulher esquecer-se do filho pequeno?… Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de ti.”
Esse amor fiel, gratuito e incondicional é a base da nossa identidade cristã. Deus não nos ama por mérito, mas por eleição. Ele nos escolheu para ser luz, elo de aliança, sinal de esperança em meio às trevas. E essa escolha nos convoca à responsabilidade: viver como quem pertence a Ele.
2. “Ele deu ao Filho o poder de julgar” – O Cristo que salva é o Cristo que julga

No Evangelho de João (Jo 5,17-30), Jesus se revela como aquele que está em perfeita comunhão com o Pai. Ele é o Filho enviado, aquele que possui a vida em si mesmo, e a quem foi confiado o poder de julgar.
É aqui que a reflexão se aprofunda: não basta seguir um Cristo idealizado, moldado à nossa imagem. O verdadeiro discipulado exige acolher o Cristo real, o Verbo encarnado que salva — mas que também julga com justiça, pois julga segundo a vontade do Pai.
“Os que fizeram o bem, ressuscitarão para a vida; os que praticaram o mal, para a condenação.” (Jo 5,29)
Essa dimensão do Evangelho é, muitas vezes, evitada ou suavizada por uma cultura que quer um cristianismo sem exigências, sem confronto, sem verdade. No entanto, ser católico na essência é acolher toda a radicalidade do Evangelho — inclusive a cruz.
3. O risco da subjetividade: quando a fé perde seu alicerce
Ao relativizar o Evangelho, ao selecionar apenas as partes “confortáveis” de sua mensagem, corremos o risco de uma fé subjetiva e frágil, que se ajusta ao gosto pessoal e abandona a verdade revelada.
A Igreja, em sua sabedoria, nos adverte por meio do Magistério: a interpretação das Escrituras deve estar em comunhão com a Tradição viva e a doutrina dos apóstolos. Fora disso, abre-se espaço para erros doutrinários, relativismo moral e, finalmente, para a diluição da identidade cristã.
Respeitar outras denominações religiosas é importante e necessário, mas isso não nos autoriza a renunciar à clareza e à firmeza da fé católica. O diálogo só é fecundo quando feito a partir da verdade vivida com caridade.
4. O Deus próximo e justo: misericórdia e exigência caminham juntas
O Salmo 144 proclama que “O Senhor é misericórdia e piedade”, mas também “justo em todos os seus caminhos”. Isso nos ensina que a misericórdia não anula a justiça, mas a eleva. Não há verdadeira misericórdia sem verdade, e não há verdade salvífica sem amor.
Portanto, ser católico na essência é aceitar esse equilíbrio delicado e profundo: amar com firmeza e crer com integridade.
Conclusão: permanecer na Palavra, viver a verdade
Neste tempo de Quaresma, somos chamados a um retorno não apenas afetivo, mas real e consciente ao Cristo vivo. Um retorno que implica abandono do pecado, rejeição do subjetivismo, e fidelidade à Palavra.
Que hoje possamos nos perguntar: tenho acolhido a verdade de Cristo como ela é ou como me convém? Tenho vivido como católico de verdade, ou apenas como alguém simpatizante de valores cristãos?
Jesus é claro: Ele é o Juiz, o Senhor, a Verdade que salva. Acolher isso com humildade é o primeiro passo para a vida eterna.