Liturgia do dia: 29 de março de 2025 – Sábado da 3ª Semana da Quaresma
“Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!” (Lc 18,13)

A liturgia deste sábado quaresmal nos leva ao centro da espiritualidade cristã: a humildade e o arrependimento. É uma daquelas leituras que tocam o mais profundo da alma e nos recordam que Deus não despreza um coração contrito.
Vivemos tempos em que a imagem de sucesso está muitas vezes atrelada à autossuficiência. Somos ensinados a “nos bastar”, a mostrar força o tempo todo. Porém, a Palavra de Deus revela o oposto: o que atrai o olhar do Altíssimo é a fraqueza assumida, a verdade reconhecida, a alma que se dobra e suplica com sinceridade.
“Vinde, voltemos para o Senhor…” – O convite de Oséias
A primeira leitura, tirada do profeta Oséias, é como uma declaração de retorno do povo ao seu Deus: “Ele nos feriu e há de tratar-nos, ele nos machucou e há de curar-nos.” (Os 6,1) É um clamor humilde que reconhece a dor causada pelo afastamento de Deus, mas também a confiança de que a misericórdia é mais forte que o castigo.
Esse trecho é profundamente cristológico: “em dois dias nos dará vida, ao terceiro dia há de restaurar-nos.” É uma alusão profética à ressurreição. Ou seja, Deus nos cura quando nos rendemos a Ele, e Sua cura culmina em vida nova, em ressurreição interior. Mas essa restauração só acontece quando abrimos mão do orgulho e reconhecemos nossa condição de pecadores.
“Eu quis misericórdia e não sacrifício” – O salmo que revela o que Deus deseja
O Salmo 50 (51) é um dos mais belos clamores de arrependimento de toda a Bíblia. Davi o compôs após seu pecado com Betsabé, e ele expressa uma das maiores verdades espirituais: Deus quer o nosso coração antes dos nossos ritos.
“Pois não são de vosso agrado os sacrifícios; e, se oferto um holocausto, o rejeitais. Meu sacrifício é minha alma penitente.”
Deus não se impressiona com formalidades externas. Ele busca a verdade interior, a alma que se arrepende com sinceridade. O coração que se desfaz diante da presença divina, como argila maleável nas mãos do oleiro. Essa oração é o clamor de todos os que, como o cobrador de impostos do Evangelho, se colocam à distância, abaixam os olhos e dizem: “Tem piedade de mim!”
A parábola de Jesus: o fariseu e o publicano
No Evangelho de Lucas 18, Jesus conta uma parábola simples, mas poderosa. Dois homens sobem ao templo para orar. O primeiro, fariseu, enche-se de si. Exibe suas obras, compara-se com os outros, e julga com arrogância. O segundo, um cobrador de impostos — figura desprezada e pecadora aos olhos dos judeus — não ousa levantar os olhos ao céu, mas bate no peito e clama por misericórdia.
Jesus é categórico: “Este último voltou para casa justificado, o outro não.” Porque a justiça de Deus não se compra, não se conquista por esforço humano, mas se recebe pela graça. E a graça só encontra morada em quem se reconhece necessitado.
O caminho da verdadeira espiritualidade: humildade e verdade

O grande risco da religiosidade é a autossuficiência. Jesus está criticando uma fé centrada em si mesmo, em aparências, em regras cumpridas sem alma. O fariseu não reza a Deus, ele se exalta a si mesmo. Sua oração é um discurso narcisista.
Já o publicano, mesmo sem um currículo espiritual, é o que agrada ao Senhor. Porque Deus olha o coração, e não os rituais. Olha o íntimo, e não as aparências. Como diria Santo Agostinho: “O começo da boa vida é a confissão da má vida.”
Aplicações para nossa vida: o que o Senhor nos ensina hoje
- Parar de buscar méritos e começar a buscar misericórdia.
O Reino de Deus não é conquistado pelos fortes, mas recebido pelos humildes. O primeiro passo para a salvação é reconhecer que não somos salvos por nossas próprias forças. - Praticar a oração verdadeira.
A oração que justifica é aquela que nasce do coração sincero. Pode ser silenciosa, sem palavras bonitas, mas deve vir de dentro. Como a do publicano: curta, direta e cheia de verdade. - Valorizar mais o arrependimento que os ritos.
A Quaresma é tempo de penitência, mas essa penitência só agrada a Deus se brotar de um coração que O ama e deseja voltar a Ele. - Evitar comparações e julgamentos.
O fariseu se perdeu porque comparou-se com os outros. O publicano se salvou porque olhou apenas para si mesmo diante de Deus. A conversão é sempre pessoal.
Conclusão: quem se humilha será elevado
Hoje, a liturgia nos convida a fazer um exame de consciência real: Como temos orado? Como temos vivido nossa fé? Temos sido como o fariseu ou como o publicano?
A boa notícia é que Deus é fiel. Ele cura, restaura, levanta, e jamais rejeita um coração arrependido. Por isso, não tenhamos medo de nos aproximar com humildade, mesmo se nos sentimos indignos. É justamente quando reconhecemos nossa indignidade que Deus mais se aproxima.
“Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.” (Lc 18,14)